
Por Calisto Gonçalves Dionizio Simões, Advogado Especialista na Defesa do Consumidor em Direito Bancário e Saúde
Planos de Saúde e o Tratamento do Autismo: Direito do Paciente, Dever do Plano
O transtorno do espectro autista (TEA) afeta milhões de brasileiros e exige um olhar atento não apenas da medicina e da sociedade, mas também do Direito. Famílias que enfrentam o diagnóstico de autismo convivem diariamente com obstáculos emocionais, sociais e financeiros. E entre os maiores entraves está, infelizmente, a recorrente negativa dos planos de saúde em cobrir os tratamentos necessários.
A conduta dos planos de saúde: um retrato de resistência
Ainda que a legislação e os tribunais sejam claros quanto à obrigatoriedade da cobertura dos tratamentos multidisciplinares voltados às pessoas com autismo, muitos planos insistem em negar sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e profissionais de psicopedagogia, sob a justificativa de “limites contratuais” ou “ausência no rol da ANS”.
Essa postura representa não apenas uma violação contratual, mas sobretudo uma afronta à dignidade da pessoa humana.
A obrigatoriedade legal da cobertura
A Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabelece em seu art. 3º, inciso II, que é direito da pessoa com TEA o acesso a ações e serviços de saúde, com prioridade ao atendimento multiprofissional.
Mais do que isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que o rol da ANS é meramente exemplificativo, e não pode restringir tratamentos que sejam recomendados por médicos e profissionais da saúde.
Jurisprudência:
É abusiva a negativa de cobertura de tratamento indicado por profissional habilitado, mesmo que não esteja listado no rol da ANS.”
(STJ – AgInt no REsp 1.712.163/SP)
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já condenou diversos planos de saúde a arcar com o tratamento integral de crianças autistas, sem limitação de sessões.
Diagnóstico precoce: um passo vital para o desenvolvimento
Identificar os sinais do autismo nos primeiros anos de vida é fundamental para garantir uma intervenção eficaz. Atrasos na fala, dificuldade de interação social, comportamentos repetitivos e resistência a mudanças são alguns dos sintomas que merecem atenção.
O diagnóstico precoce permite que os tratamentos comecem o quanto antes, aumentando significativamente as chances de desenvolvimento da criança e promovendo sua autonomia e socialização.
Níveis do autismo e formas de tratamento
O TEA se manifesta em três níveis:
- Nível 1: Autismo leve – exige suporte mínimo.
- Nível 2: Autismo moderado – requer suporte considerável.
- Nível 3: Autismo severo – demanda suporte substancial e constante.
Os principais tratamentos envolvem:
- Terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada)
- Fonoaudiologia
- Terapia Ocupacional
- Psicoterapia
- Psicopedagogia
- Musicoterapia e outras abordagens integrativas
Esses métodos contribuem não só para o desenvolvimento cognitivo e comunicacional, mas também fortalecem a autoestima, autonomia e socialização da criança.
Família e médicos: uma aliança indispensável
O sucesso do tratamento está diretamente ligado à atuação conjunta de profissionais da saúde, educadores e familiares. A presença ativa da família nas terapias, no ambiente doméstico e escolar cria um ecossistema seguro e estimulante para a criança.
Essa união fortalece o paciente, mas também traz conforto psicológico aos pais e responsáveis, que sentem-se apoiados e mais preparados para lidar com os desafios do dia a dia.
Caso emblemático: vitória da justiça sobre a negativa de tratamento
Um caso de ampla repercussão envolveu um plano de saúde que se recusava a cobrir sessões ilimitadas de terapia ABA para uma criança diagnosticada com autismo severo. Após insistência judicial, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que o plano cobrisse todas as sessões prescritas pelo profissional de saúde, sem limitações numéricas, fixando ainda multa diária pelo descumprimento.
Essa vitória foi não só uma conquista para aquela família, mas também um precedente valioso que reforça o papel do Judiciário na proteção dos direitos dos autistas.
A missão do advogado: garantir dignidade e qualidade de vida
Como advogado, meu compromisso vai além de petições e audiências. Trata-se de lutar para que cada cliente tenha uma vida digna, com acesso à saúde física e mental, e para que cada família sinta o acalanto da Justiça quando os direitos são ameaçados.
Negar tratamento a uma criança autista é negar-lhe o futuro. Por isso, meu papel é garantir, por todos os meios legais, que o tratamento não seja apenas um sonho — mas um direito efetivado.
Se você ou alguém que conhece enfrenta esse tipo de dificuldade, procure orientação jurídica. A luta pode ser árdua, mas a Justiça está ao lado da dignidade humana.
