SUPERENDIVIDAMENTO – A armadilha dos Bancos comprometendo a sua dignidade.
Por Calisto Gonçalves Dionizio Simões – Advogado Especialista na Defesa do Consumidor em Direito Bancário e Saúde.

Superendividamento: a armadilha bancária que compromete a dignidade do consumidor
Nos últimos anos, o fenômeno do superendividamento tem ganhado proporções alarmantes no Brasil, atingindo consumidores pessoas físicas e também micro e pequenos empresários (pessoas jurídicas) que, muitas vezes, são tratados pelo sistema bancário como consumidores comuns, sem qualquer análise real de capacidade de pagamento.
Apesar da recente legislação voltada à prevenção e tratamento do superendividamento (Lei nº 14.181/2021), os bancos continuam a adotar práticas abusivas e predatórias que colocam o consumidor em uma espiral de dívidas sem saída. Um dos comportamentos mais comuns das instituições financeiras ocorre justamente quando o consumidor atrasa uma parcela de empréstimo: ao invés de orientá-lo de forma ética e transparente, o banco oferece novos créditos, refinanciamentos e limites pré-aprovados como se fossem “soluções”. Na prática, trata-se de um ciclo vicioso de rolagem de dívidas, onde o consumidor contrai novos débitos para quitar os antigos, com juros ainda maiores.
Essa estratégia bancária, embora disfarçada de benefício, é altamente predatória. A publicidade é direcionada, sedutora e normalmente associada a promessas de facilidade e alívio financeiro imediato, sem que se esclareçam as reais consequências econômicas desses contratos. É comum, por exemplo, que aposentados, pensionistas, servidores públicos e microempreendedores sejam bombardeados com ligações, mensagens e propagandas oferecendo crédito consignado, cartão de crédito consignado e refinanciamentos em condições supostamente vantajosas.
O cenário do endividamento no Brasil
Segundo dados do Serasa de 2024, mais de 71,4 milhões de brasileiros estão endividados — o equivalente a 44% da população adulta do país. As faixas etárias mais afetadas são entre 30 e 49 anos, justamente o grupo economicamente mais ativo, que sustenta famílias e movimenta o mercado. O produto bancário que mais leva ao endividamento é o cartão de crédito, seguido pelos empréstimos pessoais e financiamentos.
O spread bancário — diferença entre o que o banco paga para captar dinheiro e o que cobra ao emprestar — é um dos mais altos do mundo. Em média, o spread no Brasil ultrapassa os 20%, o que contribui significativamente para o lucro das instituições. Em 2023, por exemplo, os cinco maiores bancos do país lucraram juntos mais de R$ 125 bilhões. Enquanto isso, o consumidor lida com juros anuais que ultrapassam 400% no rotativo do cartão de crédito. Um percentual saudável de juros, que permita o crescimento sem gerar colapso financeiro, não deveria ultrapassar 1% ao mês — especialmente para consumidores em situação de vulnerabilidade.
Aspectos psicológicos e sociais do endividamento
O superendividamento não compromete apenas as finanças: ele destrói a dignidade humana. A ansiedade, depressão e até o adoecimento físico são consequências diretas do acúmulo de dívidas. Muitos consumidores enfrentam a exclusão social, o isolamento e a vergonha, sendo impedidos de manter relações profissionais e familiares saudáveis. O endividamento crônico pode levar à perda de produtividade, ao esgotamento mental e, nos casos mais graves, ao suicídio.
A força da Lei do Superendividamento
A Lei nº 14.181/2021, também chamada de Lei do Superendividamento, trouxe esperança ao consumidor. Ela permite a repactuação judicial de dívidas de boa-fé, com a apresentação de um plano de pagamento que leve em consideração a renda, os custos essenciais de vida e a dignidade do consumidor. É possível, em muitos casos, reduzir o valor total da dívida em até 70% ou mais, com parcelamentos de até 5 anos e limites que comprometem no máximo 30% da renda mensal líquida.
É importante destacar que nem todas as dívidas são abrangidas por essa lei: débitos com garantia real (como financiamentos de veículos e imóveis) e tributos não são repactuáveis por esse mecanismo. No entanto, mesmo essas dívidas devem ser consideradas no processo, como forma de demonstrar a real situação do consumidor e sua incapacidade de cumprir todas as obrigações.
Como funciona a repactuação
O processo inicia-se com um pedido judicial ou extrajudicial de renegociação, onde o consumidor apresenta todos os seus credores e dívidas. O juiz então convoca os credores para apresentar propostas. Se não houver consenso, o magistrado pode impor um plano de pagamento com base no princípio da dignidade humana. Esse plano deve preservar os gastos mínimos de sobrevivência (alimentação, moradia, saúde, educação) e prever o comprometimento máximo de 30% da renda líquida mensal.
Conclusão
É fundamental que o consumidor conheça seus direitos e não se sinta culpado por uma dívida impagável. O sistema bancário lucra bilhões às custas da desinformação e da vulnerabilidade emocional do cidadão. A Lei do Superendividamento é um instrumento de justiça social e precisa ser amplamente divulgada e utilizada.
Se você ou alguém próximo está enfrentando dificuldades financeiras, procure orientação jurídica especializada. É possível sair dessa situação com dignidade, planejamento e respeito aos seus direitos.
